24 de mai. de 2008

O que importa é que já não importa o que importa.



Parada na janela, sentada sobre o parapeito, via as árvores do parque, as crianças que corriam, os carros que passavam lá no fundo (desta altura, já pequenos) e alguns pássaros que cantavam (na maioria sabiás, que ainda resistiam à dureza da vida metropolitana). Então ela se jogou. Não, não foi bem assim que tudo aconteceu. Havia mais poesia... Ela não se jogou, apenas deixou que suas moléculas seguissem o fluxo natural das coisas. O resto foi culpa da lei-da-gravidade, que faz de pequenas quedas simples, grandes quedas graves. E o som grave daquela tarde estava mais sonoro que o normal, como canto de pássaros (na maioria sabiás, que ainda resistiam à dureza da vida metropolitana, mesmo não sendo assim tão graves). E crianças que gritavam, corriam, sorriam, corriam, gritavam, sem parar, como pequenos aborígines assustados. Gremlins alimentados depois da meia-noite, reproduzidos com água. E o filete de sangue escorria da boca de dentes quebrados, sujando o passeio público. Morreu na contra-mão, atrapalhando o trânsito. O público, que não parava de transitar, agora se reunia em volta de uma pequena tragédia. Não pequena, afinal ela não era tão pequena (fracassara no regime mais uma vez). Mas pequena, afinal, só uma vítima. Nenhum grande incêndio, nenhuma torre no chão, que dirá duas! Só uns cabelos sujos, embaraçados pelo vento. E pernas que se dobram num ângulo estranho, que não deveria existir. E braços que se abrem numa cena profana, como sátira. E o filete de sangue, que teimava em escorrer da boca de dentes quebrados.
Não, podemos contar assim: Estava na janela, a sonhar, quando uma mão pesada veio e lhe empurrou. Eu disse mão, não mãe, essa história é outra. Nessa janela não tinha grade ou cerca. Não tinham cúmplices, fraldas, tesouras ou testemunhas. Nessa história não tinha nem a mão pesada, para empurrá-la. Mas a mão pesada a empurrou, pra não perdermos o início da trama. E foi tudo tramado, o sol que pairava amarelo, o céu que esperava azul, as nuvens que sorriam brancas e os pássaros que cantavam cinzas. Na maioria sabiás, que ainda resistiam à dureza da vida metropolitana. Sim, talvez uns pardais. Mas nenhuma criança, nessa história não tinha crianças. Ninguém sorria, ninguém gritava, ninguém corria. O passeio não era público, o tráfego não se movia (hora do rush). Ou feriado nacional, no pátio do inmetro. Alguém dentro dela resolveu não trabalhar naquele dia, naquele feriado nacional. Suas moléculas, sob o efeito grave da lei-da-gravidade, seguiram o fluxo natural das coisas. Se soltas, caem. E caiu, pesada como uma mulher-antes-do-trinta-que-ainda-não-conseguiu-atingir-o-peso-ideal. Todo o peso de uma vida, de várias vidas, de uma mulher, de um homem, de vários homens. No fim das contas, as contas não fazem diferença. Ela era todas, naquele corpo grande de mulher experimentada. Era todos, naquele corpo grande de mulher invadida. E todos os invasores caíram com ela, naquele baque surdo de ossos-contra-o-asfalto.
Também poderia terminar assim: Ela olhou pela janela, sentiu os olhos cansados daquele sol quente, daquelas nuvens brancas, daquele céu azul, daqueles pássaros cantarolantes. Nunca teve dom pra princesa de conto-de-fadas. Pulou.
Ainda poderíamos dizer de outra forma, que, cansada da luz intensa do sol (essas ressacas ainda me matam), voltou-se pra dentro, trancou a janela, fechou as cortinas, bebeu o último trago de vodca, apagou o último toco de cigarro e voltou a dormir.

19 de mai. de 2008

Quando ela chora eu não sei se é dos olhos pra fora, não sei do que ri.



Sorrisos estampados me irritam. Não é um sorriso, parece uma cãibra. É como se estivessem zombando, sorrindo. Um quadro famoso que ilustra uma parede famosa de um museu famoso. O eterno sorriso da Monalisa, ridícula. Alguém disse (acho que foi Victor Hugo) que “rir de tudo é desespero”. Não rir pode ser (ou não) tristeza, mas rir de tudo é, com certeza, desespero. Kafka já falou disso, n’O Processo. K. (o protagonista, que luta contra o processo) tem um ajudante no banco que tem uma contração involuntária da boca, parece que ele está sempre sorrindo. Isso, obviamente, irrita muito ao K. Talvez a culpa, a timidez, causem toda essa irritação, pois parece que quem está rindo sem motivo só pode estar rindo da gente. O personagem não faz nada além de estar ali, sorrindo. Irritando. Kafka faz questão de explicar que K. sabe que é só uma contração INVOLUNTÁRIA, mas mesmo assim ele se irrita. A primeira menção a ele é “e Kaminer e seu sorriso insuportável, provocado por uma contração crônica dos músculos”.Em outra passagem, no mesmo capítulo, Kafka diz: “Kaminer alcançou-lhe o chapéu, e K. teve de dizer expressamente a si mesmo, conforme aliás também havia sido necessário mais de uma vez no banco, que o sorriso de Kaminer não era intencional, que ele nem sequer era capaz de rir intencionalmente”. Durante toda a narrativa, sempre que o Kaminer aparece, o autor cita a irritação que esse sorriso provoca. E eu concordo plenamente com ele. Pessoas inexplicavelmente sorridentes são insuportáveis.
Não que a felicidade alheia me incomode, longe disso. Adoro uma boa gargalhada, um sorriso satisfeito e até aquelas risadinhas de hiena doida são aceitáveis, quando não são felicidades exageradas também. A felicidade alheia me felicita, quando moderada. Felicidade demais é muito suspeita. Mas a felicidade comedida e explicável é linda! O problema é o sorriso estranho, que nunca sai do rosto. Eu sorrio muito, conheço gente que sorri muito, mas nunca supera o limite do suportável. Nunca é aquele sorriso estranho, de gente que não faz outra coisa senão sorrir. Eu gosto (apesar de me incomodar e ser sempre motivo de resmungos) da cara de desdém da Marianna, da cara de absoluto desprezo da Bréscia, da cara de profunda indignação da Ana Lívia, de todas as caras do Ramón e por aí vai. A Suellen tá sempre sorrindo, mas ela tem uma aura mais feliz. Não é o tal sorriso chato. E os outros, que também não são tão esquisitos. Não sei se conseguiria criar um vínculo de verdadeira amizade com alguém tão “sorrisos”. Não seria saudável. Prefiro as pessoas humanas, que riem, sorriem, xingam e fazem cara feia também. Vamos deixar os sorrisos pro Louvre, a Monalisa faz isso melhor que ninguém.

Oquei? Vamos sorrir com parcimônia, meus queridos.

15 de mai. de 2008

“Quero, no escuro, como um cego tatear estrelas distraídas...”


Eu sabia! Sempre esteve escrito:

“Lua na 9ªcasa
Grande imaginação. Instabilidade nas opiniões. Estudos prolongados, intuição. O sucesso profissional terá lugar no estrangeiro, ou com um comércio de importação-exportação, ou na diplomacia. Contacto com estrangeiros. Gosto por viagens ou evasões mentais. Facilidade para aprender línguas”.


Não adianta. Eu não vou ser feliz aqui... é um fato! Sou brasileiro, mas já desisti. Preciso de ares mais poluídos, rios mais fedidos, construções mais antigas, dinheiro mais acessível, consumismo mais fácil, prédios mais imponentes, museus mais frescos, festas mais insanas, pessoas mais metidas e clima mais frio (no tempo e nas pessoas). Tá no meu mapa astral, no meu destino, nas estrelas!!!
Chega desse calor latino-americano, desse país tropical... Pode ser abençoado por Deus e até bonito por natureza, mas não faz parte da minha natureza. Prefiro a beleza artificial, criada com pedras, tijolos e concreto. Prefiro vista pro Central Park, cheiro do Senna, tropeços no Coliseu, poses em cafés parisienses, underground insano no sub-solo londrino, frio escroto nas praças de Praga, sexo fácil e drogas novas em Amsterdã, trances em Israel, cigarros fortes em Montpellier, uísques de fogo na Escócia, chocolates amargos na Suíça, cerveja e violência gratuita na Alemanha, vodkas na Rússia, fumaça na China, enfim. Etecéteras ad infinitum. Preciso do mundo!

Mas o mundo vive tão bem sem mim... Sei não, hein.

O jeito é me entregar com tudo ao capitalismo e chafurdar nessa lama quente e brasileira. Quando eu emergir meu narizinho metido, penso nas minhas viagens e andanças. Acho que já me imiscuí demais nessa selva de pedra, pra jogar uma mochila nas costas e comprar uma passagem de ônibus. Preciso mesmo é de escravas sexuais, cassinos clandestinos, narcotráfico, estelionato ou só um cargo político.
Enquanto nada disso vem a mim (nem eu consigo alcança-los), vou vivendo minha vidinha de proletariado, das nove da madrugada às sete da noite, vivendo com correntes nos pés e algemas nas mãos.
Vivendo preso pelos bolsos!


“Ai, morena, viver é bom. Esquece as penas, vem morar comigo em Babylon!”

5 de mai. de 2008

Réplicas e obrigados.

Laranjas, vodkas com energético, companhia, parabéns, bolo, festa, alimento nos domingos solitários, solidão nos dias de solidão por opção, abraços, cantos, danças, fotos, apertos, montinhos, gritos, performances, gritos, brigas, soneca na torre, treino de swing (pra azar do meu pobre saquinho...), conversas, choros, velas, ladainhas, vontades, alegrias, tristezas, é tudo compartilhado.
Amigos são pra isso. Amigos TÊM que ser pra isso! As gratidões são mútuas, pois quando você me pede laranjas, te peço mangas. Te dou suas laranjas (ou tang de laranja, quando a fruta não está à mão) e te peço as mangas quando preciso. E o mais lindo disso tudo é que tenho certeza que, mesmo que eu não tenha suas laranjas, você me arranjará minhas mangas. E, mesmo que você não consiga minhas mangas, eu te darei todas as laranjas que conseguir, porque você merece. Vocês todos merecem minhas laranjas, minhas mangas, minhas mãos, meus olhos, meus ouvidos, minha cabeça, meus atos, minhas palavras, meus braços, meu corpo, meus enjôos de Heleninha Roitman e tudo mais que eu tiver! Vocês merecem minha vida e por vocês, não pelos vizinhos, eu voltaria ao incêndio. Por vocês eu pularia em qualquer buraco, escalaria qualquer montanha, enfrentaria qualquer briga, mataria, morreria, choraria, riria. E faço tudo isso sempre que posso... Quando não posso, tento. E quando não tento, é porque estou precisando ainda mais de vocês...
Vocês fazem minha semana suportável e meu fim de semana incrível. No fim das contas, são vocês que fazem minha vida feliz. Aqui, ali, acolá, meus amigos fazem minha vida mais feliz.



Ah! E a foto é só um exemplo. Toda a melação se estende também aos que não foram ilustrados, mas que são tão ilustres quanto.