2 de jun. de 2011

Quando você morrer, benzinho, vou te cobrir de flores. As mais cheirosas. E vou te maquiar, até que tenha o aspecto dos vivos. Vou te pôr numa linda redoma, onde será vista por horas e horas. E quando estivermos cansados de te ver e você estiver cansado de ser visto, vou te pôr na terra e cuidar para que seus vermezinhos cresçam fortes e saudáveis.

Vou assistir seu renascimento, benzinho, em muda de planta que eu não saberei qual será, mas que cuidarei para que cresça forte e saudável. E quando você der flores, por que há de ser uma planta florida, vou te colher e enfeitar a sala de estar. Até que murche, você enfeitará e perfumará minha casa. Então te colocarei nas páginas amareladas do meu melhor livro, que será encaixotado e desencaixotado mil vezes, até que te redescubram como uma flor velha esquecida num livro antiquado. E então não importará. Eu já estarei morto e você não fará mais diferença.

14 de out. de 2010

Sem fé e sem compromisso eu vou caminhado contra minha vontade, sem rumo certo e com todas essas dúvidas pela estrada. São pedras. Esperando um fim eu vou vivendo de meios e espero sinceramente que o fim justifique estes meios absurdos que me rodeiam. Espero sinceramente que haja um fim nisso tudo. Convença-me do contrário! Malditas pálpebras que se ergueram antes da hora. Todos caminhamos em direção à luz, mas não sabemos o que fazer quando nos ofuscamos. Buscamos a luz como as moscas em volta da lâmpada. Depois que se encontra a luz, o que se faz? Dá cabeçadas até morrer de exaustão e fome. Até que ponto vale a pena? Um cigarro pra acalmar esta ansiedade de nada, uma cerveja pra animar essa depressão de ter estado ansioso por nada. Drogas pra descobrir que a vida não acaba nessa realidade insólita, que existe algo mais, ainda que subconsciente. Desisti dos universos de deus, prefiro os meus. Flores, cogumelos ou veneno, qualquer hora alcanço o que não sei se busco. Ou descubro que não busco nada. Ou encontro o que não buscava. São tantos os caminhos, as pedras, o meios e os fins. Quem levantará a voz para dizer que a mentira existe? Quem se calará diante da verdade? É preciso (não, não é preciso) conviver com todas as verdades, sabendo que todas são mentiras. A minha verdade absoluta é que estou aqui escrevendo sensações mentirosas. E minha verdade absoluta é mentirosa, porque não sei se estas sensações são mentirosas. Porque não sei se estou aqui sentado. Não sei se estou dormindo em outras camas, sonhando que estou aqui escrevendo. Todas as verdades são mentiras, porque só a mentira é verdadeira. Assim mesmo, verdades plurais para uma mentira singular. E se nem eu preciso entender o que escrevo, porque você se preocuparia? Continue andando agarrado à sua fé. Ela talvez te sirva de cajado nessa estrada pedregosa. Ela talvez te endureça os pés, para que não perceba a dureza das pedras. Eu não vim para criticar ou para apoiar. Vim para duvidar.

15 de mar. de 2010

É, a vida anda ruim mesmo. Mas não é exatamente a vida: é mais a forma como a vida anda. Já desisti de querer morrer, que não basta. Agora me parece tão bobo, não é mais um plano. Talvez um plano b, mas não mais o plano.
É que... sabe quando não tem mais graça? isso de ser forte, ter estabilidade, emprego, casa, pagar contas, exercer cidadania, essas coisas. Não dá, sabe? Vontade de explodir com tudo e fazer alguma coisa que REALMENTE VALHA A PENA. Ta, talvez nada realmente valha a pena, mas não custa tentar melhorar. Viajar, tentar de novo, começar outra coisa, conhecer outra coisa, sair dessa mesmice chata. Cansei de ralar pra ter um futuro e, pasmem!, não sei que futuro é esse. Ralo pra caralho pra nada. Escola, emprego, casa, butecos de fim de semana, tudo anda tão chato... Nem sei. Talvez juntar uma grana e zarpar pra terras mais agradáveis. Ralar por alguma coisa nova. Diferente, pelo menos. Ok, mas pra isso preciso de base. A porra da base que mantém a estrutura. Há!, eu diria, como se eu tivesse alguma estrutura! Mas parece que tenho. Consigo manter tanta coisa, coisas que até me dão orgulho, mas dão mais no saco. Sabe quando o orgulho enche o saco e fazer um corte radical no cabelo não adianta mais? Se pá eu vou fazer um corte radical pra quê? Tudo vai continuar a mesma bosta boiando nessa água de privada. Cansei de viver em água de privada. Sim, quero água de privadas francesas. Talvez tentar a França. Lá a gente vê no que dá.
E ainda tem o fim do mundo? A pessoa já acha que trabalha e vive à toa, mas não é o bastante. Bom é achar que o mundo tá acabando. Se o mundo não acabar, meu mundo acaba.
Chega de marasmo, preciso mudar.
É foda.

9 de fev. de 2010



Todos os caminhos levam a Roma. E meus pés estão doloridos destas pedras frias, pontudas. Já pensei em fugir, mudar de rumo, tentar novos caminhos, e todos me levam ao mesmo lugar. O lugar nenhum, lugar comum. Quisera um caminho de grama macia, árvores de sombras frescas e chuva fina no alto da tarde, mas meus caminhos foram traçados em sertões áridos. À sombra de uma pedra seca eu posso descansar até que o sol me encontre e meus pés aguentem mais um pouco. À sombra de qualquer noitada posso descansar minha mente em entorpecentes. E cansá-la mais e mais para a ressaca da caminhada seguinte. Quisera um caminho que me tirasse da rota, que me levasse a novidades. Mas todos os caminhos levam a Roma... E é aqui, justamente onde não queria chegar. Aqui, onde o vento parece de chicotada e a chuva de castigo, onde o café amarga e o cigarro arranha. Aqui onde os blues não são tão lentos. Quisera um lugar melhor, maior. Mas o que me resta é este gosto de mofo na boca. E essa vontade de! Essa vontade de descobrir um motivo. Ou fugir da necessidade de motivos... Encontrar a ausência de excessos e perder esse excesso de ausências. Parafrasear menos, criar mais. Ter o que criar. Num caminho que não me leve a lugar algum, que apenas me dê a possibilidade de:

A possibilidade de não chegar em Roma.

27 de jan. de 2010




Na última vez que morri, vinha de jangada por um rio lodoso. Lembrava dele vistoso, cheio e brilhante, azul quando o sol estava a pino, laranja vermelho rosa ao fim da tarde, quando o sol batia de lado. Mas ele não era esse rio, era uma água suja que escoava naquele mesmo lugar. Nas folhas de antigo verde, percebi uma tristeza em respirar, as folhas grandes, outrora maiores que eu, então já findavam na escassez de fotossínteses decentes.
Os sapos que coacharam melodicamente em outros dias, agora choravam lamentavelmente, em coachados tristes e desesperados. A guerra civil havia transformado tudo, nem mesmo as hienas riam agora. Na encosta do rio, onde antes foi uma margem, a jangada arranhou o lodo raso e parou. Peixes e sapos, pequenas rãs, se debatiam na água pouca, tentando subir a correnteza. Noutros tempos, subindo por dentro d'água, era possível se alimentar e procriar à vontade. Mas não hoje. Hoje não é tempo de satisfação. Entre os peixes agonizantes,garças sujas procuravam o que comer. De penas empretecidas, as garças bicavam em desespero, com sons de lamúria.
A resistência enfraquecia, enquanto a guerra aumentava, e a mantança me assustava. Nunca a vilania foi tão popular, tão aplaudida. Nem em antigos livros de história, quando se falava em escravos e torturas, em presos políticos e pretos amarrados, quando se via povos em campos de concentração, se viu tanto sangue. Um sofrimento latente, quase habitual, me verteu lágrimas de agonia, quando vi que até o que era selvagem se contorcia em guerra, pela vida ou pelo poder, todos estavam em guerra. Lágrimas grossas se misturava ao lodo e um tigre, como aqueles que se via em fotos antigas, de animais que há gerações não se via, a não ser em fotos antigas, corria entre as garças tristes, os peixes desperados e os sapos lamuriosos. Corria de fome, dava patadas no ar, me viu com olhos famintos e quis se alimentar. Nada mais natural que ter fome e querer matá-la. Ao tentar correr caí no lodo escorregadio e pensei que ele poderia acertar a jugular, já que sofrer mais ainda era instintivamente evitável. Não vi onde ele atacou, ou como atacou, mas vi que, de longe, eu morria. E morria mesmo, sem entender ainda porque tão jovem. Talvez não tão jovem, mas ainda com vontades juvenis. Vontades utópicas de sonhos juvenis. Coisas que sabia impossíveis, às vezes chatas, mas ainda sonhadas. E alguém me explicou que, já que eu queria tanto, e inúmeras vezes cheguei a tentar e pedir, resolveram adiantar o processo e acabar logo com isso. Não que me atendessem o pedido, mas já que estávamos ali... Um tigre faminto e um mamífero que, apesar de magro, ainda tinha carne e gordura suficientes para alguns dias de fuga. Um tigre de verdade, talvez o último, ou penúltimo, e um humano, agora tão numeroso e perigoso, que melhor seria perder alguns. Por que não este? Foi o que me perguntei e foi o que me responderam: Por que não este?
Não doeu, não houve luz em túneis, mas houve uma certa explicação intangível, como quando chegamos tão perto da verdade que quase a vislubramos, mas não vemos nada além do que habitualmente vemos, mas com compreensão tão superior que assuta. Como se visse alguma coisa que, apesar de não visível, sabia que estava. Ou era, não sei bem. A verdade é confusa, como cabelos na água. Não se sabe onde começa ou termina, ou como é, ou como explicar, mas sente-se forte e viva, pulsante, uma verdade no ar. E ela estava lá, não me pergunte.
Ver daquele jeito me fez ver que não tinha o que ver. Foi como ver novamente, numa fazenda onde uma negra forte cozinhava para peões, a lama limpa, porque só de terra, entre os dedos do pé descalço. E já então não sabia onde estavam minhas botas, ou se algum dia tive botas e as descalcei, e continuei ali. Percebendo bem no fundo, perto de onde se diz ser superficial, que a verdade é que o mundo estava em guerra. Sempre esteve, como vemos hoje, veremos no vigor da vida e na velhice, como veremos depois da morte. Viver é guerrar, guerrear até o infinito sangrento do fim, quando então toda a guerra se mostrará últil a um fim ainda indeterminado, e tudo fará tanto sentido que não saberemos o que fazer com a luz na cara, então recomeçaremos. E recomeçaremos e recomeçaremos e recomeçaremos até começarmos a perceber que a utilidade da guerra é nos fazer ver que a guerra é inútil. Inútil em sua idéia, em sua prática, em seu objetivo.

23 de set. de 2009


É preciso vigiar sempre. Não cair na rotina, não se entregar à loucura, não desistir. É preciso vigiar o tempo inteiro, pois as tentações são grandes. A cama é macia, o cobertor é quente, a televisão ajuda a abstrair. É preciso não baixar a guarda, para não se entregar ao ostracismo perigoso da inércia. É preciso agir! Agir! Como se houvesse amanhã, como se o futuro nos esperasse. Não importa para onde, não importa o porquê, é preciso apenas se movimentar, manter o cérebro e as mãos ocupados. Parar é perigoso, você pode pensar neste momento. Pensar é perigoso, você pode parar neste momento.
Mecanicamente é preciso viver, trabalhando, estudando, saindo, bebendo, sem nunca se aprofundar. Superficialmente é mais fácil agüentar. Sem metafísicas, sem existencialismos, sem filosofias. Sem consciência sócio ambiental é mais fácil agüentar. Torcer o nariz para a miséria, ignorar a falta de sentido da vida, esquecer que vamos morrer. Imaginar o tempo como um agora, não como um antes ou depois. Viver pelo já. O amanhã a deus pertence, e ele não divide. Vestir o que se tem à mão, comer o que se tem à boca, ir onde se tem à frente. É preciso não pensar em nada que não seja fútil e superficial. Desviar da lama que puxa para baixo, para o profundo dos questionamentos humanos. Deixe a filosofia para os filósofos, viva como bom cidadão.

17 de jun. de 2009




Te amo, como se amar fosse...
Como se amasse, amassado, amarrado.
A Maria, se amasse, amarraria.
Se amasse, amaria.

O ódio,
com todo o carinho,
com cheiro de enxofre,
exorcizo.

Do amor, dou amor.
Dôo amor.
Dor.
Da carne, aberta, alerta
do coração à coroação,
dôo amor.

Dôo sangue, órgãos, vida.
Dôo agasalhos, sapatos, comida.
Dôo amor.
Dor de amor não é com amor que se cura.
Dor de amor, secura?