29 de set. de 2008

"E vendo ele morrer, sem saber o que fazer, segurei sua mão fria..."



Eu queria ter um pedaço de terra. Não um lote ou uma fazenda, apenas um pedaço de terra. Acho que um metro quadrado seria suficiente, mas eu não saberia o que é um metro quadrado, mesmo sabendo o tamanho da terra que quereria. Seríamos amigos, trocaríamos figurinhas e confidências. Talvez trocássemos até algo mais. Brincaríamos até não agüentarmos mais. E para não enjoar nunca do meu novo amigo, plantaria nele uma árvore. Talvez um cipreste, se eu soubesse onde encontrar um cipreste. Seriam meus únicos amigos. E dedicaria minha vida a eles, ouviria seus lamentos e choraríamos juntos. Seriam lamentos de crianças, já que seríamos todos crianças. Mas também riríamos muito, pois teríamos muitas piadas pra contar. Ah, e as piadas do cipreste seriam as mais engraçadas! Acho que eu colocaria um nome na minha terra, mas ainda não sei qual. Quem sabe Maria, ou Macabéia. Ou Maria Madalena. Não, vou chamá-la de Terra. Que é o terceiro planeta do nosso sistema solar. Como Terra é terra, e tanto pode ser menino quanto menina, brincaríamos de tudo. E Terra é um nome bom. O cipreste foi nomeado por Adão, a pedido de Deus. Não posso mudar o divino desejo. A partir de agora chamaremos o cipreste de Cipreste, com letra maiúscula, pois será o nome próprio do meu cipreste. Seríamos então dois meninos e uma menina, o que me daria vantagem. Não iríamos precisar brincar sempre de bonecas e casinha, que são brincadeiras de meninas. Mas teríamos de brincar, às vezes, pra não magoar a Terra. E nunca cresceríamos, pois crescer doeria. Eu gostaria do meu tamanho, pois seria o ideal. O suficiente pra eu alcançar minha cabeça e colocar ou tirar meu chapéu, de acordo com a etiqueta. Não a etiqueta do chapéu, que eu não gosto, mas a etiqueta que nos diz como nos comportar à mesa. Sim, eu também ensinaria etiqueta para os meus amigos, apesar de que não a usaríamos muito, já que eles são terra e árvore. E eu não faria intrigas com o Cipreste contra a Terra, pois guerra é coisa de quem cresceu, apesar de que brincaríamos de guerra também, mas ninguém morreria de verdade. Vamos abrir uma exceção para o Cipreste crescer, senão não teríamos como nos balançar em seus galhos, coisa de que gostaríamos muito. Ele não poderia brincar como nós, nos balanços, mas com nossos impulsos suas folhas se balançariam também, e ele gostaria muito disso. Terra e Cipreste ficariam perto da minha casa, mas em um lugar onde ninguém nos visse. Terra não teria cerca, pra não limita-la, mas eu conheceria cada um dos seus grãos. Com o vento, Terra dançaria muito e Cipreste a acompanharia com suas flores, com ela entre seus galhos. Eu não precisaria de vento pra dançar, mas só dançaria quando ventasse. Não morreríamos, pois seríamos sempre crianças, mesmo o grande Cipreste seria sempre criança. Mas o tempo, que é implacável, passou. Minha casa e meus pais ficaram pra trás e o progresso, ainda mais implacável, nos esmagou. Cipreste, derrubado, se espalhou em palitos, lápis e fósforos pelo mundo e Terra, mesmo gritando muito, foi asfaltada e escondida. Eu, sem amigos, morei nas praças e nas calçadas e não brinco mais. Em todas as praças do progresso eu vejo um balanço de madeira, e me lembro do Cipreste. Me balanço alto, o mais alto que se pode chegar num balanço, e sorrio. E em todas as ventanias, eu danço, sentindo a Terra entre meus cabelos, se pegando às minhas roupas. Então eu sorrio, sorrio tanto que nem o progresso pode me deter. E sou feliz, com o Cipreste a me balançar e com a Terra sempre embaixo das unhas, até o divino infinito, amém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caraaaaamba! Mais uma vez eu! O mesmo de cima. Seu escrita é envolvente. Com sua escrita o português fica mais bonito. Que ser humano é você? Eu que estou sensível demais?